O Abraço do Fim da Tarde - Ensaiando um conto


Um tecto de nuvens presas de negrume fingiu o intento de ruir sobre ela…mal sabia que o oscilar da magna onda a tinha para longe transportado. Por serenos segundos, ignorou aquele olhar divino que a fustigava do alto.O azul escuro que a embalava, aquecia cada poro, massajava as dores desse desassossegado invólucro terreno.Se caísse o diluvio, ela pretendia continuar ali – alheia num fundo de memorias – inerte ao sabor desse final da tarde...

Maresiana sentia-se sempre alheia aos problemas do mundo nos seus imersos finais de tarde.Aproveitava para encontrar no turbinar inconstante do ambiente salino, a paz ausente nas agruras da cidade durante o ardor dos dias quentes. Este dia no entanto prometia ser diferente...ela sabia que algo intemporal estava prestes a acontecer.E  aconteceu!Não foi o diluvio que se apoderou do tempo, apenas um som não humano que interrompeu seus pensamentos:

-Buscando a noite silenciosa, Divina!

Ela demorou a sair do torpor.Num pressagio ansiou e vislumbrou a vida a rodar.Voltou a verticalidade e melhor se surpreendeu. Ele era negro retinto de pele lustrada.Olhos verdes de profundidade e absorto na insistência de a admirar.Decidiu responder sem mais tardar:

- Dando voltas a ânsia do diluvio apenas, Nobre Desconhecido!

-Bem me parecia que a tempestade se abeirava...deve ter-se sentido chamada pelas curvas do corpo que este mar eleva. –assim de um jeito estranho insistia o desconhecido em elogia-la.

- Não fiz muito.Apenas pedi que aqui se juntassem as aguas. Apetece banhar-me na confluência das lágrimas dos peixes e das aves. – Poetizou Maresiana.

Depois de um quase silencioso murmúrio, Aquilar respondeu:
-Bem me parecia que o mar hoje traria a mais sublime das humanas filosofias. Ouvi-o chamar por mim, mas agora vejo que chamava por vós...felizmente ainda poderei  apreciar o beijo que a torrente de lágrimas das aves promete despejar sobre si.

Seria, mas imbuída de um misto de divertimento e desejo ofuscante, Maresiana decidiu mergulhar. Bem lá no fundo tacteou a areia em redor dos pés de Aquilar. Afagou-lhe os dedos e voltou a emergir:

- Deixei uma lágrima esquecida a seus pés. A promessa de nos voltarmos a encontrar.

O silencio dominou imensos segundos. Os olhos de Aquilar mudaram de cor. O momento voltava as costas ao vocabulário que o pudesse estragar. Maresiana voltou-se para nadar em direcção a praia, mas ainda teve tempo de ouvir o grito:

- Quando Divina, quando?
- Quem o saberá...? – respondeu Maresiana sem se voltar - segue a vontade desses dedos. eles sempre vão saber em que destino o prometido encontro!

Aquilar tentou seguir no encalço dessa onda com corpo de mulher, mas seus passos mexiam e não moviam desse fundo mar.Debateu-se na movediça areia para segundos depois acordar.
Estivera no ancoradouro de um cais despido e  finalmente aprendera a sonhar.
Ficaria por saber que desse sonho partilhado alguém não voltaria a acordar.Nunca saberia que partilhara os últimos momentos de um final de tarde especial. O dia em que Maresiana embatera num pilar do ancoradouro mas não fora vista a agonizar. Perdida no transferir do seu doce sonho ela não sofreu, apenas esqueceu como voltar.

A promessa do sonho essa veio a ser cumprida. 20 anos depois as cinzas de Aqular repousaram no fundo do mar junto ao ancoradouro. Ultimo poiso onde Maresiana tivera o prazer de ondular.

By MC Tavarlos

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