Já apenas se escrevem cartas do "Nunca Amor"


As estatísticas de isolamento pós caos poderiam resumir-se a um ainda não encontrei o que procuro, tal qual o título de uma canção batida e sobejamente conhecida do grupo Tu Também. Talvez porque tivesse insistido em sonhar que um dia me levarias a dançar, esqueci que já o tínhamos feito, e assim falo de música traduzindo preciosos nomes. Na verdade ainda não nos conhecíamos e rodopiamos embriagados num pátio amplo da Casa da Cultura, bem no centro da cidade em que ambos escolhemos viver mesmo não tendo lá nascido. Tinhas abraçado as sonoridades de uma guitarra alheia, enquanto nos ignorávamos, para depois pisares os meus pés insistentemente numa roda de primos em que eu te desconhecia. Esse sim tinha sido o inicio da estória que agora termina, ainda que não te lembres!  

Tudo começou bem antes daquele sms bolorento e inoportuno numa noite de solidão mútua enquanto toda a capital vibrava ao som de qualquer festival tosco ou festas de Praia Maria. Começara sim, bem antes de invadires a paz com os teus medos rancores e desaires de uma vida familiar ressacada e ressequida nas brigas diárias. Antes de procurares magia ou evasão em palavras tortas da alheia comiseração.

Os elos não se esquecem porque foram benzidos no mar, entre lágrimas duplicadas de sal sobre o corpo e carícias do vento. Numa moldura de abandono e incertezas carregada a querer e descoberta. Eras quase o primeiro de muitos, ainda que o último do excesso de adolescência nas lides diárias.

Como se esquecem os estranhos que nos fazem esquecer toda uma vida em poucos segundos?

Assim me lembro das conversas ao final da tarde numa África pouco nossa, mas mais minha do que tua, onde se ouvia bem perto sons de uma velha mesquita e do Sacre Coeur sem Desperados e Flags. Era para ti o olhar em transe dirigido a qualquer vulto da mesa ao lado, e a respiração entrecortada entre um demi-poulet com ressentimento a shwormans. Se lembrasses, saberias que por pouco não saltei para o incerto das ruas, nas duas semanas de solidão entre um divã vermelho e uma cama king size, chazinhos noite tranquila, wifi intermitente e a insistência de um Francês amaldiçoado. Eras tu que me acordavas, e lembravas, a quilómetros de distancia, que seriam 10 grãos pequeninos, Portucalentos, encalhados na costa de uma mãe histórica, atolada em  disputas de francophones e anglophones, os ganhadores da batalha.

Agora começo a reescrever os poemas, a nossa caminhada no velho mundo que em tempos queria apenas meu. Os sonhos têm todos o mesmo ritmo, um  código de passado transportado para o futuro que destruímos. Primeiro rabiscamos novas coordenadas geográficas e um mundo por implodir junto ao Padrão, e depois sentamos num banco velho onde o Tejo não se veja. Sussurramos ali as loucuras da segunda noite, aquela em que chegaste de madrugada cansado e curioso, para sair de mansinho distante e apressado, como se o intermédio desisistisse.

Amaremos Lisboa semi-despidos numa escada junto ao Adamastor, naquela noite em que atravessas o bairro e te postas no Sem Nome com hálito a mix e shots. Serás a saudade do amanhecer num eléctrico 15 atolada em livros para queimar a porta do Palacinho ou nas escadas velhas de Burnay. Depois disso hei-de errar caminho até a Ajuda sem lembranças; fintar o velho professor numa ausente presença ao fundo da sala de um novo anfiteatro; serei a aluna desmemoriada, arguta, medianamente explicativa e comunicativa, a arguir a melhor tese de uma nova comunicação pela igualdade desesperada.

A absorver o ano em duas estações, entre o sentido e o malcriado, avançamos pela pós-moderna filosofia: amor castigado em vícios; paixão desespero; carinho cobiça; ternura desnorteada de volúpia e intriga…outros planos e nenhuma imensidão a transferir na multiplicação de corpos.

O silêncio veio e ficou sem partir, permanecerá como único elo da despedida. Se nos perdermos dele restará apenas a canção nunca nossa:

“I still haven´t found what I´m looking for”!

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